Guimarães 

Guimarães é uma cidade do norte de Portugal, pertencente ao distrito de Braga, desde sempre conhecida como a Cidade Berço e também através de alguns símbolos históricos, como o castelo de Guimarães, a partir de onde D. Afonso Henriques combateu contra sua mãe e contra os mouros, os paços dos Duques, entre outros.

E reconhecido nesta cidade um enorme espírito de camaradagem entre todos os Vimaranenses, ultimamente mais visível no futebol onde é demonstrado com força e honra. Há muito que os vimaranenses têm uma grande rivalidade com a sua capital de distrito, Braga, não só pelo futebol, mas também, por alguns factos históricos.

 

Guimarães o duas caras: O verdadeiro significado

 

Da estátua que se encontra na praça da oliveira, na antiga casa da câmara, contam-se inúmeras histórias sobre o facto desta se chamar o Guimarães das Duas Caras. Estas histórias vão desde um carácter pejorativo para os vimaranenses, para o episódio de Guimarães ter que lutar em duas frentes de batalha na conquista de Ceuta, na que coube a Guimarães e na de Barcelos, depois dos barcelenses abandonarem a sua frente com medo dos mouros, mas o que é certo é que poucas são as pessoas que conhecem o verdadeiro significado desta estátua que não se enquadra em nenhumas destas histórias.

Mas o que levou a estes boatos foi a cara que o guerreiro tem gravada no escudo que se encontra na sua barriga, nascendo assim o Guimarães duas caras. Há um pormenor de pouca importância para quem vê aquela estátua tem um simbolismo que nos mostra o seu verdadeiro significado. Existe no escudo uma oliveira, símbolo de Guimarães que prende um leão, que, por sua vez esta representado nas armas de Espanha, significando assim uma vitória sobre este país.  Este escudo tem presente então o verdadeiro simbolismo desta estátua, o contributo de Guimarães para a independência de Portugal sobre Espanha.

 

Fonte: https://araduca.blogspot.com/search?q=duas+caras

 Passarinhas & Sardões

Esta tradição, cuja época de início é desconhecida, é composta por dois momentos:
um na festa da Nossa Senhora da Conceição, dia 8 de Dezembro e outro na festa de Santa Luzia, dia 13 de Dezembro.
Assim, estas festividades têm implicitamente um cariz sexual, pois consiste na troca de doces cuja forma remete aos órgãos sexuais masculinos (sardões) e femininos (passarinhas). Estes doces são confeccionados com açúcar e farinha de trigo cozida.
numa sociedade conservadora, as pessoas aproveitavam estes dias de confraternização social para oferecer "a passarinha" ou "o sardão" à pessoa amada e caso esse amor seja recíproco, o homem retribui com "o sardão" e a mulher com "a passarinha".

Ponte sem Rio

Esta expressão, com sentido perjurativo, teve origem no facto de haver uma ponte nas Quintãs, ao fundo da Rua de Santa Luzia, mas apenas um rio de pequena dimensão.
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Opinião-Uma Rivalidade Violenta

 A rivalidade entre as cidades minhotas de Guimarães e Braga remonta-nos para séculos atrás, sobretudo devido questões religiosas e políticas. Contudo debroçar-me-ei sobre uma rivalidade que se tem mantido ao longo dos anos.

A rivalidade entre os dois clubes das respectivas cidades mais concretamente a violência inerente aos jogos entre as duas equipas. Na minha perspectiva, esta rivalidade clubística está cada vez mais perigosa. Em todos os jogos, seja na cidade berço seja na cidade dos arcebispos, dão-se confrontos entre os adeptos. Porquê? Aí está a questão. Os adeptos quando questionados não sabem bem explicar o porquê de haver confrontos. Apenas afirmam convictamente que não gostam, da equipa e dos adeptos rivais e que esta “tradição” é para manter por várias gerações. Em dias de jogos, entre ambas as equipas é preparado cuidadosamente um contingente policial para que os adeptos visitantes cheguem ao estádio sem que haja confrontos, no entanto, os adeptos visitados esperam a equipa e os adeptos rivais com pedras nas mãos, seja vitoriano seja bracarense, entre vidros de camionetas partidos, feridos ligeiros e viaturas danificadas, os adeptos não olham às idades, o que os distingue é a cor clubística (basta ver um adereço do clube rival para ser visto como um alvo a abater e como um inimigo). De jogo para jogo, o nível de violência aumenta, ou seja, há cada vez mais adeptos envolvidos, cada vez mais objectos arremessados (bolas de golfe, isqueiros, moedas, tochas, telemóveis, petardos, garrafas, etc.), cada vez mais os feridos e cada vez mais agentes policiais envolvidos. Esta rivalidade clubística e consequentemente concelhia tende a manter-se pois ambos os clubes tentam afirmar-se como o 4º clube grande português a seguir a Porto, Benfica e Sporting.

Em suma, esta rivalidade manter-se-á nos anos que se avizinha e fica a questão: Algum dia terminará?

Sandra Silva

Luís Pinheiro

 

"Guimarães esfola gatos mata cães" 

Em todas as terras durante anos são criados mitos, tradições, provérbios, etc.
Guimarães não foge à regra. Uma dessas tradições/mitos, verbalizados em frases estereotipadas. Aqui abordar a expressão "Guimarães esfola gatos e mata cães".
Em vários locais de Guimarães existe associações às palavras cães e gatos, por exemplo:

- Na freguesia da Costa há uma quinta denominada de "Pé do Cão";
- No caminho da Santa Leocádia para a lomba há o penedo do "Cão do Morgado";
- Ao rio que passa por trás da Corredoura em S.Torcato chamam-lhe "Poço dos Cães";
- Em Sta. Eufémia de Prazins, há a "Poça dos Cães";
- Para os lados da Sra. da Guia ficava a célebre "Torre dos Cães";
- Quem segue o caminho que parte do fundo da Caldeiroa logo acima pode avistar o conhecido lugar "Cães de Pedra";
- Ainda hoje em Guimarães, um atalho que vai à antiga estrada romana chama-se "Barroca dos Cães" havendo vários locais denominados de "Cães de Cima", "Cães de Baixo", "Cães Pequenos", etc;
- Em Guimarães há o "João Cão" (João Pinto);
- Em Azenha (freguesia da Costa) há um homem conhecido por "Chamadoiro de mata-cães";
- No Campo da Feira há uma senhora conhecida por "D. Maria dos Gatos". Maria Gata e Manuel Gato viveram na Rua dos Gatos.;
- Em Vizela é conhecidíssimo o tasqueiro "João dos Cães";
- Havia um tesoureiro da Colegiada de Guimarães chamado Gonçalo Gato;
- Na freguesia de Garfe, que antigamente pertencia ao termo de Guimarães há o casal dos Gatos;
- Em Tagilde há o "Penedo do Gato";
- A Rua de Gatos é uma das mais antigas populosas da Terra.

Apesar de haver tantas associações a gatos e cães, esta tradição tem apenas uma componente rimática sem qualquer simbologia.


 

Fonte: Alberto Viera Braga, 
"Guimarães no Costado dos seus títulos de honra, 
na graça dos poetas e nas ditargas do povo", etnos, vol.VIII, Lisboa, 1948

 

Proposta de desanexação de Guimarães do Distrito de Braga

 

Aquando do conflito brácaro-vimaranense de 1885-1886, em Guimarães defendeu-se a desanexação do concelho do distrito de Braga e a sua integração no distrito do Porto. Esta ideia tomou a força de proposta de lei, que foi apresentada pelo deputado do círculo de Guimarães, João Franco Castelo Branco, em sessão da Câmara dos Deputados de 15 de Janeiro de 1886. Aqui se transcreve o teor do projecto de lei, assim como o discurso de apresentação então proferido por João Franco, cuja transcrição se encontra no “Diário da Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa”, sessão de 15 de Janeiro de 1886:

Senhores. - A rivalidade tradicional e existente entre os concelhos de Braga e de Guimarães é um facto geralmente sabido por todos ou quase todos os membros desta câmara.

Essa rivalidade agravou-se, chegando ao seu maior grau de intensidade, com os acontecimentos ocorridos na cidade de Braga, no dia 28 de Novembro último, que não é preciso relatar, por sobejamente conhecidos e geralmente lamentados.

Urge, pois, a adopção do uma mediar, que, pondo fim ao mal-estar recíproco dos dois concelhos rivais, favoreça a indispensável harmonia entre os mesmos concelhos e os seus respectivos distritos.

A desanexação do concelho de Guimarães do distrito administrativo de Braga, para de futuro ficar pertencendo ao do Porto, parece-me ser a única aconselhada como satisfazendo plenamente àquele intuito.

É por um conjunto de circunstâncias bem apreciado e conhecido era todo o norte do país, se com o decorrer do tempo hão crescido sensivelmente as incompatibilidades do concelho de Guimarães com a capital do seu distrito, para uma vida administrativa em comum, pelo contrário as suas relações com o distrito, e muito especialmente com a cidade do Porto, têm aumentado dia a dia em intensidade e mútua simpatia.

Ao passo que as antigas mas nunca esquecidas questões da directriz do caminho de ferro do Minho, do prolongamento do caminho de ferro da Povoa, cavavam fundo na estima recíproca das duas cidades minhotas, por um antagonismo de interesses sempre crescente, a abertura do caminho de ferro de Bougado, pondo em comunicação directa e rápida Guimarães com o Porto, e o desenvolvimento das relações comerciais entre as duas cidades, de certo as mais industriais de todo o norte, fizeram brotar espontaneamente, e de há muito, o desejo de apertar cada vez mais os estreitos laços que já as prendiam.

Por isso nos comícios que em Guimarães se realizaram, logo depois do dia 28 de Novembro, o pedido da anexação ao distrito do Porto expluiu, não como um desforço sentimental e apaixonado, mas como a afirmação de um facto há muito latente no espírito público.

Há mais de um ano que a Revista de Guimarães, publicação da benemérita e ilustre sociedade Martins Sarmento se fez eco do desgosto geral, e num artigo de critica acerca da economia distrital em relação ao concelho de Guimarães terminava com esta acerba ironia: Por este preço pagamos nós a honra de pertencer ao distrito de Braga.

Existirão, porém, alguns factos de ordem material ou de interesse geral que se oponham à fervorosa pretensão que este projecto de lei procura satisfazer? Absolutamente nenhum.

O concelho de Guimarães é limítrofe numa grande extensão do Porto, pelos concelhos de Santo Tirso, Lousada e Felgueiras.

Tem hoje ligação directa e fácil por quatro comboios diários com a cidade do Porto.

É pela barra do Porto que entram e saem as matérias-primas e os produtos da sua indústria.

E com o Porto que se prende quase inteiramente o viver económico de terra tão largamente trabalhadora.

Portanto, nenhum obstáculo material e tantas razões de ordem superior demonstram a sensatez do pedido.

Por outro lado a existência do distrito de Braga como circunscrição administrativa não periga de forma alguma com a desanexação de Guimarães.

Braga é hoje o quarto distrito do reino, quanto a população e riqueza.

Com a aprovação deste projecto de lei descerá apenas um grau, ficando ainda o quinto com relação aos mesmos pontos, e portanto em condições de vida bem mais desapontada e próspera do que os dezasseis restantes distritos do reino.

Senhores! A aprovação deste projecto de lei será finalmente mais uma consagração dos princípios liberais.

Uma representação contendo mais de quatro mil assinaturas, quase tudo o que de população masculina e maior no concelho saberá ler e escrever, acaba de ser entregue ao poder executivo.

Representações de todas as corporações administrativas, e das diversas associações do concelho virão em breve ao parlamento.

E ninguém ousará pôr em duvida que as manifestações da vontade dos cidadãos, quando livres e espontâneas, conformes aos princípios, e sem ofensa dos interesses gerais da nação, constituem o melhor critério para avaliar dos seus direitos e decidir dos seus interesses.

Em face, pois, de uma tão eloquente unanimidade de sentir e querer, o espírito liberal desta câmara, a mais genuína representação da vontade popular, há-de por certo acolher benevolamente e conceder a sua aprovação ao seguinte projecto de lei, que tenho a honra de submeter à sua sabedoria:


 

Projecto de Lei



Artigo 1.° O concelho de Guimarães é desanexado do distrito administrativo de Braga, e fica pertencendo ao do Porto para todos os efeitos administrativos e políticos.

§ único. As juntas gerais dos distritos do Porto e de Braga serão convocadas extraordinariamente logo que este projecto seja lei do país, a fim de procederem a uma nova distribuição dos procuradores às juntas pelos respectivos concelhos, tendo em atenção a remodelação operada por este artigo 1.°

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrário.

Sala das sessões da câmara dos deputados, 13 de Janeiro de 1886. = O deputado pelo círculo de Guimarães, João Ferreira Franco Pinto de Castelo Branco.

Leu-se na mesa e foi admitido e enviado à comissão de administração.


 
João Franco Castelo Branco, em 1886.
Fonte: araduca.blogspot.com

 

"Rivalidade Inteligente"

Agradecemos ao Sr. Luís Cirilo por nos ter enviado para o nosso mail esta sua opinião que foi publicada no Correio do Minho em 2009:

  "RIVALIDADE INTELIGENTE Vitória e Braga, Braga e Vitória a ordem pouco importa.
Trata-se, isso sim, de uma das mais velhas e acirradas rivalidades do futebol português que só terá paralelo na rivalidade lisboeta entre Sporting e Benfica.
Nado, criado e residente em Guimarães, adepto fervoroso do Vitória, tenho também fortes laços familiares em Braga pelo que desde pequeno convivo com essa realidade.
E devo dizer que convivo bem.
Não tenho dúvidas em afirmar que o “velho” estádio 1º de Maio deve ser o recinto desportivo em que entrei mais vezes a seguir, e a grande distância como é óbvio, ao estádio D.Afonso Henriques.
Lá vi grandes jogos Braga-Vitória, mas também jogos do Braga com os chamados “grandes”, jogos das selecções nacionais, jogos do Vitória com outros clubes quando tinha o estádio interdito e outros de que já nem me lembro.
E por tudo isso, por toda essa vivência desportiva, pelo conhecimento que tenho dos clubes, entendo que Vitória e Braga têm de ter 180 minutos anuais de intensa rivalidade e despique “feroz” pelo triunfo.
Mas no resto tem de entender-se.
Entender-se e andar de mãos dadas.
Porque os problemas de um…são os problemas de outro.
Já aqui tenho escrito noutras ocasiões sobre as desigualdades de tratamento que caracterizam a realidade do nosso futebol e que fazem de três clubes actores principais da peça e de todos os outros actores secundários.
Quiseram as circunstâncias que hoje os dois grandes clubes minhotos sejam aqueles que tem melhores condições para combaterem essa hegemonia e intrometerem-se nas lutas tradicionalmente reservadas aos tais três.
Foi o caso do Vitória o ano passado que disputou o segundo lugar até ao fim e só não o atingiu porque “científicos” erros arbitrais nos últimos jogos o impediram.
É o caso do Braga este ano, que tem plantel e equipa para poder lutar pelos três primeiros lugares, que já começa a ser arredado pelo “sistema” dessa disputa.
Os dois últimos jogos foram elucidativos.
E embora vitoriano dos quatro costados devo dizer que não gostei da forma como o Braga foi derrotado.
Porque hoje é o Braga e amanhã é o Vitória.
Sempre vitimas do “sistema” que vigariza a verdade desportiva.
Por isso os dois clubes devem entender-se.
E serem em termos de Liga os líderes de uma revolta dos eternamente prejudicados.
Dizendo claramente que é preciso mudar muita coisa.
Não apenas os árbitros e quem os nomeia.
Mas também o favorecimento que é dado aos chamados grandes.
Nos tempos de antena televisivos que, obviamente, ajudam a crescer quem já é maior que os outros.
Na publicidade que empresas públicas (PT, TMN, CGD) dão a esses clubes e recusam aos outros.
Nos regulamentos das provas que permitem que esses clubes transformem alguns dos outros em verdadeiros clubes satélites.
Na negociação dos direitos televisivos e repartição das respectivas receitas. Nos horários dos jogos que feitos em prol do interesse exclusivo das televisões estão a retirar aos clubes uma das poucas forças que lhes restam, ou seja, o seu público nos estádios.
No acesso de alguns clubes a competições profissionais, com falsas certidões de inexistência de dividas, sem o mínimo de condições para nelas estarem, criando situações de desigualdade para com os da sua dimensão e tornando-os alvos fáceis para determinadas “ajudas”.
Entre muitas outras coisas.
Vitória e Braga têm de ser rivais.
Faz parte da sua natureza.
Embora essa rivalidade, nomeadamente a nível de claques, precisa de um toque civilizacional para que as pessoas não tenham medo de frequentar os respectivos estádios.
É bonito ver milhares de vimaranenses em Braga e milhares de bracarenses em Guimarães.
Dá cor á rivalidade, aumenta o interesse dos jogos, projecta a imagem dos clubes.
Mas paras isso é necessário respeito, ordem, bom senso.
A rivalidade entre Vitória e Braga tem de ser inteligente.
Para defesa de ambos.
E, já agora, do futebol português."

 

 

Ervas de S.João

 

Mais conhecido como arqueólogo, Francisco Martins Sarmento foi também um notável observador das nossas tradições populares. Nos seus cadernos de apontamentos etnográficos, que a Sociedade Martins Sarmento publicou há poucos anos, estão registadas as suas observações pessoais e as informações que obtinha dos mais diversos informantes, nomeadamente de familiares e amigos, com que construiu um imenso reportório de saberes de transmissão oral produzidos pela nossa cultura popular, onde se encontram inúmeras referências às tradições de S. João na região de Guimarães.

Coincidindo com o solstício de Verão, a noite (e a manhã) de S. João é o tempo de todos os sortilégios, esconjuros e adivinhações. De 23 para 24 de Junho têm lugar inúmeras práticas mágicas, profiláticas, propiciatórias e expurgatórias. Mas este é também um tempo de folia: pela calada do escuro, o rapazio vai pelas casas roubar vasos para enfeitar as fontes e arrancar cancelas e levá-las para longe ou pendurá-las nas árvores; levar carros, arados, cambões, etc., para sítios onde os donos lhes custa achá-los. Na noite de S. João cantava-se e dançava-se à roda de grandes fogueiras, cujas labaredas eram desafiadas pelos jovens, que as atravessavam com as suas correrias e saltos.

Na noite de S. João cuidava-se de garantir a abastança de frutos da terra, protegendo-os contra o mau-olhado ou desviando-os das terras dos vizinhos. Uma das práticas descritas por Sarmento é conhecida por andar de cambão. O cambão é um instrumento usado para calcar a palha no tempo em que era malhada, que, nesta prática, era montado por um lavrador que atravessava as terras dos vizinhos em direcção às suas, dizendo: Vai boi, vai vaca / Que esta terra é fraca / O renovo que ela der / Cairá na minha arca. 

Mas havia meio para atalhar a tal roubalheira: na noite de S. João (aliás véspera) põem-se ramos nos campos, deitando ao mesmo tempo sal, e dizendo: Quem estes renovos me vier furtar / Os grãos deste sal há-de contar.Com o mesmo fim se costumava atacar as medas de centeio do vizinho com um malho. Sarmento conta que na noite de S. João vai-se à eira dum tal que tem medas de centeio, que “se querem na nossa arca”, e bate-se nelas sete vezes com um malho. O centeio parece que cai logo na arca do malhador, porque uma vez que um tal foi fazer a operação, o dono do centeio, talvez para prevenir o enguiço guardara as medas. O malhador contentou-se de bater numa pereira com o malho, e chegando a casa disse-lhe a mulher: “Tu que fizeste, que em vez de centeio, a arca encheu-se de peras?”.A noite de S. João era também o tempo de emendar, à força de pancada, as planta machuma, a que é preguiçosa em dar flor (roseira, por exemplo), ou fruta. Para a curar do mal, corta-se uma vara de castanheiro na noite de S. João, e ao nascer do Sol dão-se-lhe nove vergastadas.Mas não só para os frutos da terra servem os rituais sanjoaninos. Sarmento registou, por exemplo, uma receita para fazer crescer o cabelo: corta-se uma pequena madeixa. À meia-noite (do dia) de S. João ata-se a madeixa ao rebento duma silva. O cabelo da cabeça, donde saiu a trança, crescerá na dita cabeça na proporção da crescença da silva, parece.

As ervas colhidas pelo S. João eram utilizadas em defumadouros e serviam para livrar a casa dos raios, em tempo de tempestade. Recolhia-se um ramo com sete (ou nove) ervas diferentes, ao mesmo tempo que se dizia: Toda a erva tem virtude / Na manhã de S. João / Menos o trevo de quatro folhas / Que tem em si maldição. Depois de várias operações, o ramo é queimado e às cinzas dele juntam algumas migalhas de pão, que na noite do Natal, ficaram na mesa e se têm guardadas; e quando há trovoada deita-se esta mistura sobre o lume, para livrar a casa dos raios.

Muitas das tradições de S. João estão associados ao amor, ao namoro e à procura de casamento. Sarmento recolheu um método para saber qual de dois namorados tem mais afeição ao outro, à meia-noite de S. João juntam-se dois pés de junco (sem os desenterrar) e aparam-se nas extremidades superiores, de modo que fiquem da mesma altura. Um fica representando um dos namorados, o outro, outro. De manhã, antes de nascer o Sol, vai ver-se e medir-se. O que tiver crescido é o que tem mais amor.

 

Um trevo de quatro folhas escondido na pedra do altar é feitiço eficaz para arranjar casamento. O trevo que se encontrou de dia há-de ser colhido à meia-noite, na noite de S. João; mas, para o marcar, não se lhe pode atar nada, porque neste caso o trevo desaparecerá (provavelmente não faz efeito). Colhido o trevo, mete-se debaixo da pedra de ara. Dita a missa, tira-se, e dá-se a comer, num bolo por exemplo, à pessoa com quem se quer casar. Outro método: conquista-se necessariamente uma mulher se na manhã de S. João se apanha um trevo de quatro folhas e se roça com ele pelo vestido, e ainda melhor, pela carne da conquistanda, dizendo três vezes, de cada vez que se passa o trevo (sem a mulher sentir): Todo o trevo tem virtude / Na manhã do S. João.

Além de casamenteiro, o trevo pode ser o portador de grande fortuna: à meia-noite do S. João nasce uma flor de trevo, que o diabo arde por apanhar. Homem que a apanhe, antes do diabo, tem nela um enorme tesouro. Contaram a Sarmento uma variante desta tradição, onde o trevo é substituído pela flor da arruda: à meia-noite do dia de S. João quem colher a flor da arruda que abrir àquela hora pode enriquecer e aqui está porquê. Esta flor deseja-a o diabo; mas, como foi logrado pelo que a apanhou, segue-o até à primeira encruzilhada, onde o ataca para lhe tirar a flor. Se o homem lutar com ele e o vencer, poderá pedir-lhe quantas riquezas quiser em troca da flor, que será servido.

 
 
Fonte: Memórias de Araduca

Milagres da Oliveira

 

O final da Idade Média é marcado pela frequência de cataclismos que atemorizavam as gentes: a trilogia sinistra da fome, da peste e da Guerra. Impotentes perante os males que lhes invadiam o quotidiano, os homens voltavam-se para Deus, na esperança de encontrarem no sobrenatural a protecção para as suas aflições. A testemunhar este sentido da espiritualidade medieval, onde o maravilhoso e o fantástico marcavam uma presença muito forte, surgem novos santuários, aprofunda-se o culto das relíquias com poderes protectores e curativos contra as mais diversas maleitas, aparece um novo tipo de literatura em que se narram os milagres e prodígios associados aos santos e aos santuários.

 

Em Guimarães, a religiosidade popular cresceu à sombra de uma das marcas simbólicas da identidade local: a oliveira, que marca presença na história, nas tradições, no imaginário e nas crenças dos vimaranenses. A oliveira está presente nas armas da cidade e dela tomaram o nome a Colegiada e a Praça Maior. A árvore de que aqui se fala foi trazida, talvez no início do século XIV, do mosteiro de S. Torcato, onde dava azeite com que se alumiava o santo. Foi plantada junto à Colegiada, onde acabou por secar. Ficaria associada a uma série impressionante de milagres ocorridos no curto espaço de meio ano. O primeiro seria o do seu reverdecimento.

 

Os prodígios de que falámos aqui estão descritos no Livro dos Milagre de Nossa Senhora da Oliveira da Real Colegiada de Guimarães, pela pena do tabelião Afonso Peres, que o redigiu numa prosa despojada e sem pretensões estilísticas, ao estilo dos registos notariais, mas que, por datar de antes de antes do ano da Peste Negra (1348) tem o valor, se outro não tivesse, de ser a mais antiga obra do seu género escrita em português. O original deste documento perdeu-se, tendo chegado ao nosso conhecimento através de um apógrafo (cópia) transcrito em 1351 pelo tabelião Antoninho Lourenço, a pedido do cónego Esteve Anes. A versão mais antiga do Livro dos Milagres encontra-se na Torre do Tombo, para onde foi conduzida em 1863, juntamente com uma outra cópia incompleta do mesmo. Conhecem-se dois outros apógrafos, um de 1620, que está no Arquivo de Guimarães, e outro de 1645, que agora pertence ao Arquivo da Universidade de Coimbra. Acaba de ser publicado um valioso estudo sobre o Livro de Milagres de Nossa Senhora de Oliveira, da autoria da investigadora Célia Cristina Fernandes, que inclui uma edição crítica e comparada das quatro versões conhecidas deste precioso documento.

 

O Livro dos Milagres foi produzido no contexto do processo de afirmação da Colegiada de Guimarães enquanto centro de culto mariano. É uma obra que se enquadra num género muito popular ao longo da Idade Média e da Idade Moderna, marcado por intenções moralizadoras e instrutivas, mas também com claros propósitos propagandísticos, já que visava atrair peregrinos para os santuários onde os milagres ocorriam. Ao longo do século XIV, a Colegiada de Guimarães, enquanto espaço de culto a Nossa Senhora, foi ganhando dimensão e conquistando devotos, dos quais o mais destacado será, seguramente, o rei D. João I.

 

No Livro dos Milagres são descritos 45 prodígios operados por Nossa Senhora: o milagre da ressurreição da oliveira e 44 curas milagrosas. Todos os milagres acontecem próximo da Oliveira (com uma única excepção, uma mulher de Coimbra, que estava “inchada de morte” e se salvou). Os miraculados são originários de um espaço muito alargado, que vai desde Viana do Castelo até Tomar. Curiosamente, só há duas pessoas de Guimarães (uma de Gondar, outra de Nespereira) que receberam a graça da cura por obra da Senhora da Oliveira.

 

O milagre operava-se através da restituição ao enfermo de algo que havia perdido ou lhe tinha sido retirado: a visão, a audição, a fala, o movimento ou o juízo. Mais de metade das curas milagrosas referem-se a cegos que passam a ver (23 casos). Em segundo lugar, foram agraciados endemoninhados, ou seja, pessoas com padecimentos que hoje associámos a distúrbios de foro psiquiátrico ou neurológico (11 casos). Quatro paralíticos (entolheitos) recuperaram o movimento, quatro), quatro mudos começaram a falar, uma surda voltou a ouvir e a tal mulher inchada sobreviveu a uma morte que parecia certa.

 

Todos estes milagres consagram uma relação de reciprocidade: o padecente recebe a graça, pagando-a, quase sempre, com uma procissão (a única excepção é a da miraculada de Coimbra, que ofereceu uma candeia à Senhora).

 

No seu estudo deste documento, Célia Fernandes procedeu à distribuição dos milagres pelos dias da semana, concluindo que o dia com maior número de milagres é o sábado (16), seguido do domingo (12) e da segunda-feira (9). As graças da Senhora concentram-se nestes três dias. Nos restantes quatro dias ocorrem, ao todo, menos milagres do que em qualquer um daqueles três (7). A quarta-feira não seria favorável a ocorrências milagrosas, não se registando qualquer caso nesse dia da semana.

 

Os prodígios descritos no Livro ocorrem num tempo bastante curto: entre 8 de Outubro de 1342 e 27 de Março de 1343. Muitas vezes se tem estranhado que, depois daquele período de grande actividade miraculosa da Senhora da Oliveira, praticamente não se conhecerem mais casos de milagres (no apógrafo de Coimbra, de 1645, foi acrescentado posteriormente um milagre que ocorreu em 1652 com a nau Nossa Senhora da Oliveira, que saiu incólume de um incêndio que devastou o galeão S. Paulo, quando ambos os barcos seguiam viagem para o Brasil). Martins Sarmento, em 1871, numa polémica que manteve com o Chantre da Colegiada sobre a Oliveira, dá-nos uma pista para explicar o fenómeno da cessação dos milagres:

 

Seja o que for, os procuradores das obras da Colegiada pediam traslados destes milagres, para os “mostrar aos fiéis de Deus cristãos para fazer de suas ajudas para a obra de Santa Maria”, e a caixa de esmolas do Padrão estava tão afreguesada que o Prior Propôs aos cónegos a troca dela pelos dízimos da igreja de Azurém, como já dissemos. O Cabido aceitou o contrato; mas, feito ele… os milagres acabaram!

 

 
Fonte: Memórias de Araduca

Lenda da Nossa Senhora da Oliveira

 

Conta a lenda que, no século XIV, ao lado padrão de Nossa Senhora da Vitoria, em Guimarães, existia uma oliveira trazida do Jardim das Oliveiras de Jerusalém, que secou. E assim continuou até que colocaram perto dela, uma cruz que ainda hoje se levanta debaixo do padrão. Três dias depois, a oliveira reverdesceu, deitando rebentos novos e enfeitando-se de viçosa folhagem. A notícia atraiu muito povo, que veio admirar o milagre em honra da Nossa Senhora da Vitoria que, desde então, se ficou a chamar de Nossa Senhora da Oliveira. A oliveira do milagre permaneceu na praça aproximadamente até 1870, data em que foi removida por decisão da Câmara Municipal de Guimarães mas contra a vontade do povo vimaranense. Todavia, em 1985, aquando do último restauro da praça, aí foi de novo colocada uma oliveira. No polígono de pedra que a envolve encontram-se marcadas as três datas mais importantes da sua história: 1342, 1870 e 1985. A oliveira faz parte da história da cidade e, por isso, é um dos elementos integrantes do brasão de Guimarães.

A indústria das Cutelarias em Guimarães

 

Nos séculos XV e XVI, guimarães estava na senda do progressismo e ainda ainda ligada ao prestígio histórico que lhe vinha de época medieval, tendo o foral Manuelino de 1517 proporcionado novas condições de progresso e desenvolvimento que apoiou a fixação dentro da áre amuralhada, uma populção de nobres, frades, mercadores e artífices. Com a energia que vinha das linhas de água, muitos artífices e ofícios prosperaram. Entre estes a dos cutileiros, para quem a água sempre foi indispensável na arte da “amola”. Isto associado ao talento de artífices, permitiu a Guimarães um lugar de destaque como centro da cutelaria nacional. É no séc. XV e XVI, que surgem referências aos cutileiros de Guimarães, primeiro num número de 5 e nos anos de quinhentos de 6. A existência de um “Regimento de Preços e salários” Vimaranense, em 1552 é prova da prosperidade desta indústria em Guimarães. O estatuto dos Cutileiros surge apenas em 1778, onde se referem os objectos produzidos na altura. No panorama industrial do séc. XIX, a cutelaria surge como uma actividade quase artesanal e feita por pessoal com escassez de conhecimentos técnicos, num processo de produção rural e artesanal. Nesta época, a falta de pessoal habilitado, a carência de instrucção técnica e a falta de meios adequados, caracterizam a maioria das oficinas de cutelaria. Os proprietários era simultaneamente os mestres e trabalhavam juntamente com os operários. Poucas foram as fábricas de cutelarias que conseguiram ultrapassar este período menos próspero, e as que o conseguiram foi graças à mentalidade de alguns industriais que equiparam as suas fábricas com meios mais modernos.

Actualmente a cutelaria vimaranense possui uma componente industrial e as grandes fábricas de cutelaria, sediadas essencialmente nas Caldas das Taipas, têm reconhecimento nacional e internacional. Hoje a indústria da cutelaria vimaranense é essencialmente de dois tipos, uma que aposta na elevada qualidade técnica e design, e outra com menos qualidade de acabamento e design, direccionada para o público comum.

 

– "Se fores a Guimarães, tem cuidado com as canelas":

 Alusão às pernas delgadas e reclame à indústria local dos cutileiros, que aproveitam o osso para cabos de facas, garfos, etc.

 

Fonte: Memórias de Araduca